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- Delegado, como isso é possível? – perguntou o policial Valdemar.
O delegado Nogueira não tinha a resposta e provavelmente ninguém mais.
O rapaz magro, de tez morena, curtido do sol havia mergulhado no rio já faziam de cinco a seis minutos sem nenhum respirador artificial e ainda não emergira. O delegado finalmente disse:
- Tomara que eu não tenha feito uma besteira em ter chamado esse camarada. Já pensou se ele morre afogado? A responsabilidade é minha...
Eu estava de lado junto ao padre. Pelo menos haviam me liberado das algemas a pedido de meu pai que também estava junto. Foi uma surpresa quando o delegado anunciou que buscava o corpo de Cecília Polozzi nas águas do lajeado Santa Tereza. Isso surpreendeu todas as pessoas que tinham certo contato com o caso.
Eu estava muito tranqüilo e papai seguidamente olhava para meu rosto. Será que ele desconfiava que talvez eu realmente tivesse matado Cecília. Acho que não. O padre nada falava, apenas olhando ansioso para ver se o rapaz que mergulhou logo emergisse.
O delegado havia buscado o mergulhador no Carajá. Atendia pelo apelido de Bicho D água e era requisitado pelas autoridades e familiares de pessoas desaparecidas nas águas dos rios da região. Não tinha mais que vinte e poucos anos. Falava muito rápido e para entendê-lo era preciso prestar muita atenção. Havia sido criado certo misticismo ao seu redor devido a seus métodos exóticos, como a reza antes dos mergulhos e a bacia com a vela que largava na correnteza. Diziam que a bacia deslizava na direção em que o corpo estava , geralmente preso a galhos e entulhos no fundo do rio. Naquele dia, não havia realizado seus rituais, ao menos que eu visse, pois passei mal e tive que ir ao mato fazer minhas necessidades, com o policial Valdemar sempre me acompanhando.
O sol era escaldante e a camisa já estava grudando na minha pele, quando ele finalmente apareceu na outra margem e fez um gesto que iria mergulhar novamente. Parecia mais magro ainda vestindo somente um calção.
Valdemar estava de mau humor por ter de estar ali e não deixava dúvida quanto a isso.
- Que porcaria tu foi arranjar rapaz. Olha só a mobilização que se formou em torno de um ato idiota desses. – ele falava como que convicto da minha culpa.
Papai não se conteve.
- Olha lá como fala Valdemar, vocês estão se afobando e tentando achar um culpado para um crime que nem sabem se aconteceu. Meu guri não vai pagar o pato não...
O delegado interveio.
- Não quero saber de anarquia aqui. Calem a boca.
O padre tinha um olhar perdido ao longe e volta e meia também pousava as vistas em mim, como tentando compreender o que realmente estava acontecendo ali e como cheguei ao ponto de ser preso e suspeito da morte de uma pessoa. Minha prisão era ilegal, eu sabia, mas não me desesperaria, eu sabia dos riscos desde o começo.
Bicho D água emergiu agora junto a nós, respirou fundo antes de falar.
- Seu delegado, a água tá muito barrenta, mas acho que não há nada lá embaixo.
O delegado agora parecia cansado, ou perdido. Um leve maneio de cabeça denunciava sua decepção.
O padre indagou:
- Parece desapontado Nogueira...
Ele fez que não ouviu a provocação do padre e se voltou ao pequeno homem, que agora encharcado parecia ainda menor.
- Como assim, Bicho D água? Não achou nada aí? Me disseram que tu achava até uma agulha no fundo do rio.
O homem atropelando as palavras, rebateu.
- Não tenho como achar algo que não tá aqui.
Vislumbrei um sorriso no canto da boca de papai que anunciou em um tom até certo ponto insolente.
- Agora vou levar meu piá pra casa. Soltem as algemas. – e deu uma tragada profunda no cigarrão de palha.
4 comentários:
Muito bom texto!
Parabéns.
Beijos.
Como sempre bons textos
Muito bom! A aparição dessas figuras notórias da região tá deixando a história cada vez melhor!
Tirei o chapéu Fabio. A inserção do Bicho D'água foi sensacional, imortalizou de vez essa lenda atnda viva.
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