terça-feira, 24 de novembro de 2009

O início do fim IV - O mito!




- Padre, estou com medo...
- Medo de quê?
- D´eles tirarem tudo de nós...
- Não há de acontecer.
- Padre,se não nos insurgirmos contra El Rey corremos o risco de sermos escorraçados como cães raivosos.
- Alferes Sepé,escuta... Essas negociatas entre Portugal e Espanha vem de longo tempo e mudam como a direção dos ventos, então não há motivo para se sobressaltar.
- Não sei... Eu tenho uma sensação ruim aqui no peito...
- Bobagem! Confia. Não haverão de nos fazer mal.
- Pelo sim pelo não, ficarei de sobreaviso. Essa sensação não me abandona...
- Esse misticismo da tua raça é uma coisa do perverso e os incita a ter posições errôneas.
- Padre, o senhor não entende. Estive falando com os anciões que me confirmaram que não sou só eu a sentir isso.
- Ouve bem. Nada, mas nada mesmo abalará nossa paz. Nós não prejudicamos ninguém, nem mesmo nos metemos nos negócios deles, portanto não acredito em retaliaçãos.
- Tive um sonho onde me matavam à beira de um riacho...
- Chega! Essa conversa mística não é de agrado do Grande Pai e só serve para disseminar o medo na redução. Vá ter com os teus, mas sem comentar sobre esse assunto!

* Celebrado no Rio Grande do Sul, Sepé Tiarajú (Joseph Tiaraju,redução de São Luís Gonzaga, em data desconhecida — São Gabriel, 7 de fevereiro de 1756) agora é herói nacional. Lei sancionada pelo presidente em exercício José Alencar coloca o índio missioneiro no mesmo patamar em que estão personalidades como Tiradentes, Santos Dumont e Zumbi dos Palmares. O projeto que transformou Sepé em herói é de autoria do deputado federal Marco Maia (PT). A partir de agora o nome do índio guarani passa, por lei, a figurar no Livro dos Heróis da Pátria. José Tiaraju era corregedor da Redução Jesuítica de São Miguel – uma espécie de prefeito. Em 1750, os reinos de Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri, obrigando cerca de 50 mil índios cristãos a abandonar suas cidades, igrejas, lavouras, fazendas, gado e terras nas Missões. Insurgindo-se contra esse tratado, Sepé Tiaraju liderou a resistência dos índios guaranis. – Esta terra tem dono – teria dito, segundo a tradição.
Sepé Tiaraju tombou em combate no dia 7 de fevereiro de 1756, enfrentando tropas portuguesas e espanholas em Batovi, hoje município de São Gabriel.
Três dias depois, 1,5 mil índios foram trucidados na batalha do Caiboaté. O povo do Rio Grande do Sul, por conta própria, viu no herói missioneiro um santo, São Sepé, que virou até nome de cidade.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A cura!




Conte um pouco do seu passado,vamos lá!Se lhe for incômodo, pode ser o futuro. Eu tenho todo o tempo do mundo para ouví-lo. Não que eu já não saiba tudo sobre você. Dos seus sonhos, dos medos, do pé atrás com aquelas pessoas que te rodeiam em bajulança. Fique à vontade. Se não quiser falar, ok! Posso eu dizer o que para você é tão difícil, que te traz a sensação de sangramento na garganta se verbalizar e trazer ao mundo teu segredinho. Por mais sujo que ele possa parecer,acredite, pode confiar. Eu sou um espelho na tua frente,e você sabe, espelhos nunca mentem. Ultimamente você tem se vestido mal, o cabelo precisa de corte, a cor da tua pele não está saudável.Eu sei é ruim as pessoas não te levarem a sério, quem sabe a culpa seja sua por estragar tudo na última hora, como um palhaço maluco? Eu estou aqui para cuidar de você. Eu sou teu salvo-conduto para dias melhores.Mas eu preciso da tua total entrega, com alma e tudo. Tens medo de me entregar a alma? Não precisa. Lembra-te que já entregaste a tanta gente que não merecia. E gente que não podia te oferecer tanto quanto eu. Sabe por quê? Por que eu nunca te enganaria e sabes disso. É por isso teu receio. Estou com todas as soluções aqui, a dois passos de ti, dentro desta pequena maleta. Se quiseres abro agora mesmo e todas tuas preocupações e temores zap...sumirão como em um passe de mágica. Eu sou o homem da medicina, dos emplastos e fórmulas inacessíveis. Não te assuste com minha capa e o chapéu. Eu viajei em carroças rústicas atravessando os mais áridos sertões e densas matas. Para tudo eu tenho solução. Estás sentindo esse aroma? É do teu perfume predileto. Feche os olhos e sinta que não represento perigo. Eu sou a tua esperança, só preciso que não resista...

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A insurreição de Ramiro Cortez!




Chegar até o alto daquela coxilha. Era esse o firme propósito de Ramiro Cortez.
Não seria fácil, sabia ele. Entre ele e seu objetivo, encontrava-se um campo de batalha, com sons abafados e desconexos, que parecia reconhecer.
Espiou receosamente por uma fresta, entre as duas pedras que se abrigou. Eram imagens escuras e difusas, mas o que estava ali, logo a frente, era irrefutavelmente familiar.
Não soube explicar por que era tudo tão confuso. Sabia que a cidade, tão temida, estava logo ali, depois daquele monte. Mas aquela batalha que acontecia a poucos metros, tencionava não deixá-lo realizar seu intento.
Uma volta ao princípio, ao marco zero, onde as lembranças não muito agradáveis de um passado assaltado por fatos, que não pediram licença, não perguntaram se feriam ou não, apenas adentraram a porta sem cerimônia. Danem-se esses fatos. Fatos são fatos em si e ali morrem. Era isso que Ramiro decidira aos trinta e cinco anos. O embate, o choque contra tudo aquilo que julgava perigoso e limitador de movimentos mais longos e flexíveis. E tudo isso encontrava-se lá, dentro daquele bauzinho de madeira que ganhara de aniversário de cinco anos, réplica quase perfeita daqueles que os piratas, dos filmes, buscavam em suas expedições indecentes pelos sete mares.
O cabelo já não era tão volumoso, marcas em volta dos olhos, o sobrepeso. Mas era assim que se apresentava para a batalha. Armas? O beijo da mulher,uma mochila dessas que os adolescentes usam, parecendo fazer parte do próprio corpo, com seus seis livros prediletos e vários cd´s de rock-"toma pai, vai precisar para carregar tuas coisas, mas me devolve amanhã cedo quando voltares, pois tenho aula..." e um longo cajado. Ali estava o antídoto. Confiava absolutamente neles. Sairia da trincheira com o peito exposto. Que venha, pútrida aragem. Isso é tudo que tens? Não. O solo era lamacento. A cada passo,mesmo andando com cuidado, parecia afundar os pés. Golpe baixo. Jogaria sujo também. Uma densa névoa escura o envolveu, e odores muito conhecidos invadiram suas narinas. Cada cheiro, uma etapa de sua vida. Não se aproxime. Desista. Havia um sol acima da névoa, mas um sol de eclipse, de sonho, irreal e indiferente. Agora o turbilhão de vozes começou a se tornar audível. Muitos personagens de sua história iniciaram um coro invocando seu nome. Ramiro! Ramiro! Desiste. É melhor para todo mundo. Peraí. Todo mundo quem? Para ele não vinha sendo há trinta anos. Que vão o inferno. Com o cajado buscava algo firme no chão, para pisar. Notou que já havia passado pela bruma de vozes e odores. Agora iniciava a subida da coxilha. Conseguia ver o pequeno baú na extremidade, tal e qual sua memória guardou. O fôlego lhe faltou em vários momentos. A subida era extremamente íngreme. Não desistiria.Pela mulher e o filho. Principalmente por ele mesmo. Quase caiu, o peso da mochila tornou-se insuportável. Poucos passos e estaria junto ao baú.
Conseguiu. Resolveu ser metódico, e primeiro abriu o bauzinho, antes de olhar para a cidade. Não havia mais o medo, apenas a melancolia de reencontrar o guardião de seus brinquedos e medos. Soltou as presilhas. Tinha pressa. Curiosidade para saber se retornaria diferente.
Havia apenas o binóculo prateado dentro. Tanto receio e medo e apenas o binóculo... Estava realmente surpreso. Esperava achar muitas coisas que o acompanhavam negativamente a muito tempo. Era irônico.
Virou-se para olhar a cidade. Ela não estava logo ali. Encontrava-se quase na linha do horizonte. Ele tinha certeza da proximidade e agora isso. Olhou o binóculo. Olhou para a cidade quase sumida no horizonte. Levou o binóculo aos olhos. A cidade estava realmente muito longe. Ela não tinha mais como ferí-lo. Nunca mais.
Guardou carinhosamente o pequeno binóculo no baú., fechou-o e começou a longa jornada de rotorno para casa...