domingo, 28 de agosto de 2011

Go back!



O portão está aberto. Não é costume ficar trancado. Eu estou indeciso se entro ou não. O sol é de sonho, de uma luminosidade alaranjada e indecifrável quanto ao horário.

A casa de material, as grandes portas de madeira com entalhes tem detalhes característicos da arquitetura portuguesa do século dezenove. É central e tudo de importante fica próximo: prefeitura, bancos, farmácias, hospital (não quero lembrar).

Meu receio de entrar deve-se ao fato de ter semi-consciência de que ela foi destruída há muito tempo, embora estivesse bem sólida e um pouco sombria diante de mim.

“Não entre aí rapaz!” 

Uma voz sensata me aconselha ao ouvido.

”Não precisa disso. Já faz muito tempo...”

Realmente, eu não preciso, mas também não tenho controle. Quando me dou conta, lá estou parado diante da velha casa e naquele dilema (medo?). 

O pátio é enorme. Uma calçada circunda toda a casa. Tem também um enorme gramado e muitas flores por todos os lados. Coisa da minha avó paterna, que tem o nome de... Flora!

Entro reticente na porta lateral que dá para a cozinha e varanda. “Vó, quero pão com açúcar.” Eu não quero dizer isso, mas sempre é meu anúncio de chegada. Minha mãe tenta em vão corrigir isso, mas vovó cobre-me de mimos: ”Meu filhinho...”. O cheiro de patchouli chega junto com o abraço. É muito calma, mas escutei dizer que quando fica zangada é fogo. Como ela fala comigo assim? Tenho quarenta anos e não quatro. Olho para meu corpo e estou vestido com um macacão infantil.

Meu vô está sentado ao lado do fogão à lenha, não levanta da cadeira de balanço. Tenho que ir até ele, questão de respeito. Beijo seu rosto magro. Ele devolve e seu bigode pinica meu rosto. Não é dado a sorrisos fáceis, mas sei que sou o neto favorito. Depois do almoço eu vou acompanhá-lo em uma das suas caminhadas ao redor da quadra. Eu o imito. Mãos para trás, postura marcial, alto, cabelos e bigode brancos, contrastando com a pele morena, o terno escuro e a camisa alva, o chapéu de feltro preto. A faca com a bainha de prata, para picar fumo ou qualquer eventualidade (ele ia mesmo degolar o homem passou por cima de mim com a bicicleta?).

Era na enorme cozinha que todos se reúnem. Muitos. Tios, primos, vizinhos todos interagindo e conjecturando sobre tudo, desde política, planos até fofocas da cidade. Era sagrada no domingo à tarde a visita aos patriarcas. Meus tios não deviam mais estar ali, todos com saúde e novos.

A tia com o caderno de caligrafia me ensina a escrever meu nome com letra de imprensa. No seu quarto pôsteres dos artistas das novelas. Eu conheço todos, mas de alguns não lembro o nome. O quarto não tem porta, somente uma cortina estampada. Minha vó prepara agora bolinhos fritos e o burburinho de vozes parece aumentar. Reconheço a voz do tio Valdemar. Ele não suportou conviver as dividas, mas agora estava de volta.

O telefone na pequena ante sala exerce um fascínio sobre mim, mas ainda não sei mexer. Logo em anexo fica o enorme quarto onde a enorme cama de casal foi retirada para o velório do meu avô.
Sigo agora e já estou em uma peça central, que serve para guardar quinquilharias e uma velha máquina de costura e ao fundo, uma porta.

A porta que dá para um enorme e estreito quarto com a iluminação fraquíssima, três camas antigas, dispostas como em um hospital. Ali meu pai convalesceu até o fim. Não quero entrar. Será que ele está lá? Quem sabe uma reconciliação...

Não!

 Volto para a cozinha, todos estão lá. O clima é de alegria. Resolvo sair sem ninguém me notar. Não quero mudar aquela cena.

Volto para a claridade alaranjada e irreal do pátio e saio pelo portão.