terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Saideira!





Agradecer é preciso e muito bom!
Pessoal esse último post de 2009 queria dedicar a vocês, que tiraram um tempinho, que poderiam estar fazendo outra coisa, e leram meus textos. Alguns desses textos de fundamento, outros pouco inspirados.Na verdade nunca imaginei que fosse agradar a tantas pessoas e levasse junto tantos fiéis seguidores.Foi uma grata surpresa.
Queria citar algumas pessoas que foram importantes nessa viagem do blog e entenderam minha proposta me presenteando com quatro mil e poucas visitas desde final de maio.
Vamos lá então,
primeiramente a Débora, um dos fatores de inspiração, com sua presença sempre participativa, fazendo correção ortográfica em alguns textos (os que tiverem erros, acreditem, ela não corrigiu).
Athos, Phortos e Aramis, os três mosqueteiros que me acompanham desde o início do blog com um textinho fraco chamado "Muitas Voltas", e são eles o Roberto Kusiak, amigão desde priscas eras e que tive a felicidade de reencontrar esse ano com seu blog "soco no estômago" MINHAS QUASE ESCRITURAS. A talentosa Marjorie Bier, com seus comentários ácidos e inteligentes, não necessariamente nessa ordem e seu blog que transpira urbanidade CÉU DA BOCA. O valoroso Kerouak/Huxley missioneiro Zé Dylan e seu psicotrópico SARAPATEL PSICODÉLICO. Eu e a Débora ainda vamos sentar com essa tríade e botar de a pá uma gelada.
Recebi um apoio fantástico do Doutor Oscar Pinto Jung, que diversas vezes divulgou em seus espaços na imprensa falada e escrita o oficinamissões, com toda a generosidade que lhe é peculiar.
Bem, ai vem o Pio Medeiros do delicioso blog PENAS DO PIO e aquele cheiro gostoso de galpão missioneiro. Cada vez que nos pechamos, geralmente no mercado, ele fala que está acompanhando minhas façanhas com a pena. Menos Pio,menos!
O compositor nativista Binho Pires, que embora não comente no blog, acompanha e me ralha quando fujo demais do tema Missões.Grande Binho, direto da Laranja Azeda(não é blog,é fazenda).
Eduardo Matzembacker Frizzo, embora apto a corrigir algumas asneiras que escrevo, prefere me dar alguns preciosos toques a respeito de coesão textual.
Bom, aí vem uma galera de longe e que me identifiquei e pretendo estreitar laços.
Começo pelo Léo de Sampa.Tu é irmão e te considero muito,tanto pelo tua proposta lá no NÃO PERCA AS CRIANÇAS DE VISTA mas principalmente pela pessoa que és.
Brunão,também de São Paulo, uma pena que deste um tempo no TEMPORÁRIO(!!), eu gosto muito do teu estilo de escrita e da tua pessoa.
Vinícius Collares e o seu DOUTOR CALIGARI, blog que sou viciado, pois trata de cinema com rara competência.
Thunderbirdsampa etílicamente exagerado em seus elogios, ainda bem que não deslumbrei.
Thiago Nardi e o estiloso ESTANTE IMAGINÁRIA, ótimo blog e simpatissíssimo dono.
Augusto Bier, chargista maior do RS que apareceu por aqui me deixando extremamente feliz, sucesso com o SERENATA,Bier.
Pronto! A terapia do agradecimento. Tô me sentindo bem mais leve...
Um ótimo 2010 a todos os amigos que por aqui passaram.Até!

sábado, 26 de dezembro de 2009

A esquina do mundo!




Maurício era um bobo e sabia disso. Ricardo era ácido, direto e mal humorado. João Márcio era triste e vivia se queixando. Marcelo, o conquistador barato. Jorge posava de intelectual,fazendo citações literárias a cada assunto. Flávio, o analítico.
Quando se juntavam em conluio etílico nos finais de tarde da sexta-feira abafada, nas próximidades da Catedral, era difícil notar todas essas disparidades entre eles. Pareciam homens comuns, ansiosos por uma cerveja bem gelada para amenizar os efeitos do dia exaustivo em seus empregos.
Mesmo dia da semana, mesmo horário. A ordem de chegada ao bar era rigorosamente a mesma, exceto quando o carro de algum estava na oficina, ou em situações extremamentes imprevistas. Flávio era o primeiro. Chegava, puxava a mesa de plástico e as seis cadeiras para perto do ponto de táxi, de modo a enxergar o fluxo de pessoas nas ruas Antônio Manoel e Marquês do Herval. Gostava de todo aquele cerimonial que antecedia a reunião propriamente dita. Podia observar tudo dali.
Marcelo chegava uns dez ou quinze minutos depois. Camisa pólo listrada, dessas que pululam por aí nesse verão, calça jeans extremamente justa e tênis tipo skatista. Flávio lembrou que ele comentou algo a respeito de clientes que migraram para outros escritórios de advocacia, mas deixou o pensamento para lá. Sempre efusivo, o cabelo artesanalmente caído sobre a testa, cumprimentava braço a braço, a mão espalmada para o choque, quem não era precavido se assustava com o estalo. Logo se aprumava na cadeira em posição de cuidar e tecer comentários a respeito de ancas, peitos e glúteos. Irrecuperável.
Ricardo chegava com ar de fugitivo, o cumprimento seco e sério sem mostrar as gengivas e a olhar para os lados enquanto sentava, como que fazendo um reconhecimento do terreno em volta. A reclamação seguia uma cronologia repetitiva-
cadeira dura, mesa suja e cerveja quente.
João Márcio deixava o velho Corcel I já estacionado em alguma descida, visto a falta de arranque, falta de dinheiro e falta de vergonha do último mecânico que tratou da engenhoca. Vinha cabisbaixo, magro, as roupas largas e olhando seguidamente para o chão como que a procurar algo que havia deixado cair. O tique nervoso era puxar as calças para cima.
Maurício vinha logo atrás de João Márcio fazendo um alarido que espantava as famintas pombas que vasculhavam em busca de alguns farelos de xis, a rir da magreza do companheiro que sinalizava aos outros com o dedo em movimentos circulatórios próximos a cabeça como que a questionar a sanidade do amigo.
Jorge chegava por último. A cadeira da ponta da mesa, se é que mesa quadrada tem ponta, era dele. De frente para a rua principal. Para destilar sua sabedoria para o grupo e para quem quisesse ouvir quando passasse. A pasta de serviço,o laptop e mais dois ou três livros que chegaram pelo correio. Obras clássicas. A luz do mundo. A vacina contra a ignorância atualizada na edição 2009. Era prevenido.
Eles reinavam absolutos, ali na esquina do mundo naquele fim de tarde de sexta-feira...

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Candango!




A tênue linha que separava o que sentia do que eu realmente era rompeu-se no momento de maior rejeição de tudo que me era valioso. Honra? Não. Medo da solidão, de estar sozinho enxergando as coisas como elas são, ou no mínimo subjetivando isso.
O passo miúdo nas pôças lamacentas, os sapatos rachados embaixo serviam de exaustor para a sangria de pensamentos que vinham indesejados. A visão do oásis realístico (ou seria miragem?). Candango, apelido miserável, sem imaginação nem sentido, ao menos que eu saiba, soa engraçado e combina com a figura desengonçada que apresento a caminhar nas ruas enfeitadas para o Natal, motivo de olhares piedosos por onde passo e para quem se dispor.
Surto e ocupo uma mesa de madeira com bonita toalha logotipada em um bar da moda, o preço de duas cervejas pagaria a semana inteira de marmitex. Sorvo avidamente como se estivesse bebendo as últimas gotas da vida vibrante que ali me cerca. O garçom me olha desconfiado. Não fugirei sem pagar, tenho fugas mais importantes antes daqui.
Ao lado o engomado de plantão beberica uma xícara de café e parece estar cozinhando os miolos dentro do fumegante recipiente. As contrações faciais o idiotizam mais ainda. Ninguém me nota.
Inúteis! Vida de ostentação miserável e ignorante. Não batem olho de frente comigo por nada. Sabem que lhes furaria a alma. Não se apresentam a mim com enigmas fáceis, pois sabem que desvendarei.
Então o que lhes resta?

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O guru psicodélico!




A conexão aconteceu por completo.
As pessoas tomavam as letras que eu escrevia como uma tábua de salvação. Eu rio, não posso fazer muito além disso. Elas me colocaram nesse patamar. Eu não tive culpa alguma. Juro. Fui içado às alturas pela veneração.
Bem no começo eu e mais três amigos decidimos formar uma banda de rock´n roll, coisa comum e em voga naqueles conturbados anos. Ok. Rodamos por bares noturnos e pequenos festivais. A partir das apresentações na Caverna toda essa coisa tomou uma proporção que saiu do controle. Histeria coletiva. Éramos os "Os quatro fantásticos" com um hit após os outro.Lançamos um álbum que até hoje é venerado como um dos mais influentes da história, apesar de não termos pretensão nenhuma, mensagem nenhuma, até por que estávamos em outra galáxia na época, viajando em LSD. Foram ótimos anos,não nego de maneira alguma. A partir dali minha imagem começou a se consolidar como o arauto da revolução, movimento esse que logo confirmou não resistir ao primeiro vento forte.
Resolvemos nos separar. Não havia como subir mais. Estávamos onde nenhum outro artista havia chegado. Então hora de reciclar, buscar a individualidade, o choque dos egos em busca do verdadeiro fio condutor e causador de tamanho sucesso. Dizem que foi minha mulher a causa da desagregação. Não. Ela apenas sabia o que eu estava tramando.
Eu projetei ser o guru da contracultura, retroceder e fazer o caminho inverso que segui com a banda. Me voltar a um intimismo fajuto e passar minha mensagem. Qual mensagem? Não sei. Absolutamente não sei. Embora tenha militado contra a guerra, pela paz, pelo respeito ao planeta, fiz isso por falta de foco. Talvez se aquele lunático com o livro embaixo do braço tivesse me dado mais tempo, eu teria descoberto. Mas acreditem, minhas imagens estampadas em camisetas são de acordo com o que vocês queriam. Tudo que escrevi e compus são só sonoridade, jogos de ecos trabalhados para soarem agradáveis, só isso.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Umidade até na alma!




O homem entrou no meu táxi sem perguntar se eu poderia fazer a corrida.
- Toca para a rodoviária urgente.
Eu poderia perfeitamente ter inventado uma desculpa, afinal já estava quase na hora do almoço e eu não havia tomado café, mas a prestação do financiamento de sessenta meses do carro venceria dali alguns dias.
Resolvi ser político com a criatura que pelo aspecto perturbado estava metido em alguma enrascada. Liguei o rádio onde um velho som dos Pixies "Here come´s your man" destoava da situação. Porto Alegre? Pouco provável. A falta de bagagem e a pasta, daquelas afiveladas mostravam que o alvoroçado homem tinha alguma atividade comercial ou algo no gênero. Entrei na Sete de Setembro, onde o trânsito estava relativamente calmo para aquele horário. O ar extremamente abafado e as nuvens pesadas anunciavam um bom volume de chuva em pouco tempo.
Dei uma rápida espiada pelo retrovisor. O amigo da maleta estava visivelmente nervoso.
Olhava para o relógio rolex insistentemente como se estivesse com uma bomba relógio no bolso. Não devia ter mais que quarenta anos. Apesar de meu pouco tempo na profissão, já tinha desenvolvido o olho clínico para certas situções. Aquilo tinha a ver com algum rabo de saia. Namorada, amante talvez, isso, amante era o mais provável. O hábito e uma espécie de obrigação do taxista é fazer-se cordial e iniciar uma interação com o passageiro, muitos se abriam como se estivessem no próprio divã. Fiquei entre a cruz e a espada. Aquele cara não estava para muito papo.
Mas que diabo, a menos de uma hora uma velha senhora tinha me alugado de modo absoluto. Contou toda a cronologia de sua vida, a árvore genealógica e queria que eu contasse minhaa ascendência. Agora estava eu ali, louco para saber o que afligia aquele taciturno ser. Mais uma espiada. Estava a tentar desesperadamente uma ligação ao celular, balançava negativamente a cabeça. Era sério o rolo.
Os pingos começaram fortes e repicantes no pára-brisas. "Não vai, fica! Prometo que vou te fazer a mulher mais feliz do mundo..." - Tinha conseguido completar a ligação. Eu tinha razão. Mulher.
Para o azar dele aquele tempo na Capital das Missões, com uma umidade pegajosa, as nuvens espessas e escuras tinham tornado aquele meio-dia quase noite, não era o mais apropriado para um provável fim de relacionamento. Ele tentava argumentar, a pessoa no outro telefone parecia irredutível.
As vezes tiro com as situações que se me apresentam. Muito egoísta, tiro só com a desgraça dos outros. Um grave defeito que tento corrigir ha muito. Mas não foi aquele dia. Busquei uma grande e melosa música do Barry White no meu Mp3 e lasquei no rádio "Just Way you are", ou vai ou racha. Trilha sonora para demolir corações.
Ao fazer o contorno em frente à rodoviária avistei o motivo de tamanho desespero. Uma bonita e elegante mulher ao celular na calçada de entrada se protegendo da já forte chuva.
Quando meu cliente já havia me lançado uma nota de cinquenta reais(!!!) e nem esperaria o troco, colocou o pé para fora do carro e estacou.
Olhei pelo espelho e vi a mulher fechando abruptamente o celular e dar um sorriso disfarçado para um homem alto de casaco escuro e também muito elegante. Ele a beijou rapidamente com as passagens na mão e se dirigiram ao setor de embarque. Ela ainda deu uma rapida olhada por cima do ombro para o homem que estava em pé, todo molhado ao lado do táxi. Ela sumiu da vista e ele ficou ali cerca de três ou quatro minutos tomando uma enxurrada na cabeça.
Entrou novamente no carro, não reclamei da água que trazia consigo, afinal com os cinquentinha eu mandava fazer a lavagem da semana no carro. O Barry continuava com sua voz potente e aveludada cantando as mazelas de um relacionamento conturbado.
Ele puxou um lenço, secou o rosto e olhou hostilmente em minha direção.
- Desliga esse corno do Barry White e toca para o Tagreli que eu tô precisando beber alguma coisa...

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Daniel na cova dos leões




- Dois, talvez três meses, não mais que isso... Se operar suas chances são praticamente inexistentes. Se optar pela cirurgia precisamos de sua resposta hoje mesmo.
Não sabia absolutamente o que falar. Indagar se existia chance de erro de diagnóstico aos empertigados médicos postados na sua frente era tentador, mas o fato de estar lutando a três anos contra um cancêr de pâncreas, um dos mais letais, o desestimulava.
Lidar com a situação a partir dali seria difícil. Como contar à família que agora existia uma data determinada. Antes ainda contava com a esperança de sobrevida mais longa sem prazo, agora chegava ao fim da linha.
Soubera conduzir tudo com um auto-controle que surpreendeu todos, pela gravidade da doença. Virou uma refência, um símbolo de persistência e luta para os amigos e familiares. Todos tinham certeza que venceria o desafio. E agora a decepção. Três sofridos anos persistindo, sofrendo com violentas sessões de rádio e quimioterapia em vão.
Era um homem forte, revestido um semblante austero e impenetrável para quem não o conhecia realmente e até para os mais íntimos. Amparou-se nessa imagem quando foi diagnosticado com a doença pela primeira vez. Todos esperavam que se vergasse ao destino, baixasse a cabeça e finalmente mostrasse a humildade que lhe julgavam faltar. Ele era humilde, mas a seu jeito. Não admitir a fraqueza dos outros era errado? Sinceramente achava que isso deveria servir de estímulo para que melhorassem.
O cargo que ocupava na empresa se encaixou no seu perfil com perfeição. Ele contratava e demitia. O poder nas mãos. A vida e a morte. Sentia o medo das pessoas quando eram chamadas à sua sala. Era completamente justo. Os que eram bons, ficavam, os incompetentes que achassem uma empresa em que o entrevistador não tivesse o seu olho clínico. Mas nunca humilhou quem quer que seja. Mesmo assim nos últimos meses achava que a imagem que deixaria não era das melhores.
Agora estava cercado por inimigos implácaveis. Eram minutos que avançavam e o sufocavam sem apelação. Era um caminho sem volta.
Nunca fora de frequentar igrejas, mas naquela tarde chuvosa, não se preocupou em abrir o guarda-chuva e andou lentamente observando cada detalhe da movimentação das pessoas. O que passava em suas cabeças? Pagar a prestação do carro, da casa, comprar a carne e a cerveja para o churrasco do domingo? Era monstruosamente desigual o peso sobre sua cabeça. A igreja encontravá-se quase vazia. O zelador, um que outro fiel ajoelhado em oração. Que droga fazia ali? Será que aquele refúgio de simbologias seculares o salvaria? Quantas pessoas em sua situação vieram até ali pedir para se salvarem? Sentou-se em um banco e respirou fundo. Por que resistia à religião era um mistério. Seus pais viviam em missas e celebrações. Ele logo que pode se desprendeu daquela obrigação. Agora estava ali. Era um hipócrita sem dúvida. A vida inteira sem crer em absolutamente nada e no final humilhar-se perante um Deus que nunca lhe dera sinal de existir. Não fez os benzimentos nem procedeu como era praxe, apenas pensou meio sem fixar atenção que se Deus existisse que mostrasse o nariz uma vez que seja a ele.
Saiu e perambulou pelo centro da cidade. Os sapatos faziam um floc floc inteiramente encharcados. O cheiro da fumaça dos carros era misturado com os pastéis da padaria. Passou por outro templo em uma esquina. Um jovem quase que imberbe e de terno distribuia folhetos "Mude sua vida hoje!".
O que fazer? Operar tendo chances quase nulas de sair da mesa cirúrgica ou aproveitar os poucos meses que lhe restavam?
Deu meia volta. Apressou o passo e esbarrou diversas vezes nas pessoas que vinham em sentido contrário
Entrou impetuosamente no consultório médico,avisou a secretária que estava ali em caráter de urgência. Sentou-se a aguardar e logo foi cercado pelos três médicos...