segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A insurreição de Ramiro Cortez!




Chegar até o alto daquela coxilha. Era esse o firme propósito de Ramiro Cortez.
Não seria fácil, sabia ele. Entre ele e seu objetivo, encontrava-se um campo de batalha, com sons abafados e desconexos, que parecia reconhecer.
Espiou receosamente por uma fresta, entre as duas pedras que se abrigou. Eram imagens escuras e difusas, mas o que estava ali, logo a frente, era irrefutavelmente familiar.
Não soube explicar por que era tudo tão confuso. Sabia que a cidade, tão temida, estava logo ali, depois daquele monte. Mas aquela batalha que acontecia a poucos metros, tencionava não deixá-lo realizar seu intento.
Uma volta ao princípio, ao marco zero, onde as lembranças não muito agradáveis de um passado assaltado por fatos, que não pediram licença, não perguntaram se feriam ou não, apenas adentraram a porta sem cerimônia. Danem-se esses fatos. Fatos são fatos em si e ali morrem. Era isso que Ramiro decidira aos trinta e cinco anos. O embate, o choque contra tudo aquilo que julgava perigoso e limitador de movimentos mais longos e flexíveis. E tudo isso encontrava-se lá, dentro daquele bauzinho de madeira que ganhara de aniversário de cinco anos, réplica quase perfeita daqueles que os piratas, dos filmes, buscavam em suas expedições indecentes pelos sete mares.
O cabelo já não era tão volumoso, marcas em volta dos olhos, o sobrepeso. Mas era assim que se apresentava para a batalha. Armas? O beijo da mulher,uma mochila dessas que os adolescentes usam, parecendo fazer parte do próprio corpo, com seus seis livros prediletos e vários cd´s de rock-"toma pai, vai precisar para carregar tuas coisas, mas me devolve amanhã cedo quando voltares, pois tenho aula..." e um longo cajado. Ali estava o antídoto. Confiava absolutamente neles. Sairia da trincheira com o peito exposto. Que venha, pútrida aragem. Isso é tudo que tens? Não. O solo era lamacento. A cada passo,mesmo andando com cuidado, parecia afundar os pés. Golpe baixo. Jogaria sujo também. Uma densa névoa escura o envolveu, e odores muito conhecidos invadiram suas narinas. Cada cheiro, uma etapa de sua vida. Não se aproxime. Desista. Havia um sol acima da névoa, mas um sol de eclipse, de sonho, irreal e indiferente. Agora o turbilhão de vozes começou a se tornar audível. Muitos personagens de sua história iniciaram um coro invocando seu nome. Ramiro! Ramiro! Desiste. É melhor para todo mundo. Peraí. Todo mundo quem? Para ele não vinha sendo há trinta anos. Que vão o inferno. Com o cajado buscava algo firme no chão, para pisar. Notou que já havia passado pela bruma de vozes e odores. Agora iniciava a subida da coxilha. Conseguia ver o pequeno baú na extremidade, tal e qual sua memória guardou. O fôlego lhe faltou em vários momentos. A subida era extremamente íngreme. Não desistiria.Pela mulher e o filho. Principalmente por ele mesmo. Quase caiu, o peso da mochila tornou-se insuportável. Poucos passos e estaria junto ao baú.
Conseguiu. Resolveu ser metódico, e primeiro abriu o bauzinho, antes de olhar para a cidade. Não havia mais o medo, apenas a melancolia de reencontrar o guardião de seus brinquedos e medos. Soltou as presilhas. Tinha pressa. Curiosidade para saber se retornaria diferente.
Havia apenas o binóculo prateado dentro. Tanto receio e medo e apenas o binóculo... Estava realmente surpreso. Esperava achar muitas coisas que o acompanhavam negativamente a muito tempo. Era irônico.
Virou-se para olhar a cidade. Ela não estava logo ali. Encontrava-se quase na linha do horizonte. Ele tinha certeza da proximidade e agora isso. Olhou o binóculo. Olhou para a cidade quase sumida no horizonte. Levou o binóculo aos olhos. A cidade estava realmente muito longe. Ela não tinha mais como ferí-lo. Nunca mais.
Guardou carinhosamente o pequeno binóculo no baú., fechou-o e começou a longa jornada de rotorno para casa...

29 comentários:

Vini e Carol disse...

Bacana a história.
Teve objetivo, fé, força de vontade e conseguiu atingir o objetivo.
E aqueles segundos lá do alto deve ter sido sensacionais para ele.
Abraço.

Anônimo disse...

O Deserto dos Tártaros, do Dino Buzatti. A mesma temática, mas com um outro olhar. Fica a dica.

Bom texto.

Anônimo disse...

Gostei muito da História porque ví um Ramiro bem objetivo, a ligação entre os fatos dá mais motivação em ler até o final, gostei bastante.

Tenho o mesmo cuidado com minhas coisas como ele tem por seu binóculo.

BLOGdoRUBINHO
www.blogdorubinho.com.br
www.twitter.com/blogdorubinho

SinaldoLuna" disse...

Lutar, lutar e conseguir!
bela historia! ;)

http://www.sinaldoluna.blogspot.com/

Scraps News disse...

Muito boa a história.
Força de vontade fez ele alcançar seu
objetivo sem desistir no caminho.

Gostei do blog em geral, belos textos.

Parabéns

Amanda Vilela disse...

História boa,
lutar e conseguir ^^
Gosteii do blog muito legal aqui :)
Tô te seguindo *-*

;*

Erich Pontoldio disse...

Munido apenas de um binóculo...sua arma!!
Ótima narrativa

Gisela Melloso disse...

Olha faltou pouco para eu ir com ele, emocionante a forma como escreve, a parte "Fatos são fatos em si e ali morrem", me tocou muito.
Parabéns pela história e pela forma que a conta.

Forte abraço

Anônimo disse...

To perdido com esas tuas viagens,Fabio.Como elas chagam até vc?Do espaço, do tempo que voce ja postou?Sei só que elas tem o poder de me sentir tocado.Pela sensibilidade e genialidade de lances como "fatos são fatos em si e ali morrem" coisa fantástica,quase chorei meu.Ve se cria outro até sábado queo ler outra preciosidade dessas tomando uma taça de vinho.Eu mereço depois de uma semana de pau como eu tive.
Vou te mandar meu email para a gente prosear cara.Até mais.

Thunderbirdsampa

At disse...

Muito bom, adorei a historia.
A maneira de que jogou as palavras
e foi mostrando o esforço :D

chrisdark disse...

Cara esse texto serve de exemplo pra qualquer um devemos lutar para conseguir chegar aos nosso obejtivos (ou binuculos) otimo blog e texto.
http://infortunio-dark.blogspot.com/

Anônimo disse...

É de baixo que se chega!
Bela lição, todos aprenderão!

William Correa disse...

é verdade como já foi falado aqui é de baixo que se chega é necessario teimar até alcançar um objetivo Ramiro Cortez foi digno de sua conquista!
obrigado ´por sempre comentar no meu blog caro amigo já estou seguindo !
abraço

www.ruivosuburbano.blogspot.com

Esther disse...

como é maravilhoso ao final de tudo realmente chegar lá e poder olhar ao redor!! binóculo que me cai como metáfora de tantas e tantas coisas...

parabens meu amigo, andas se superando!!

Viviane disse...

Com certeza fica uma lição, nunca desista, levo isso para minha vida todos os dias!!

==================================
Isso tudo é Real - http://vivianesobral.zip.net/

Karina Kate disse...

É assim que se aprende, com esse desafio e em um ato diferente do esperado. bela historia, bjos

Vinicius Colares disse...

Fábio, vc é historiador?
pq além de textos extremamente bem articulados, vc tem um rigor histórico incrivel!!! o seu projeto de livro, provavelmente será espetacular!!!

Macaco Pipi disse...

gosto dessas coisas!

Amanda Vilela disse...

Oii dediquei um selo pra o seu blog,
lá no meu blog ^^

Passa lá e comenta :)

http://theonnagirl.blogspot.com/

vlw :)

;*

Fabrício Bezerra disse...

essa história é tão bonita ,que parece de verdade.gostei,parabens;

Diego Janjão disse...

Grande história! essas histórias eh que são as boas!

Anônimo disse...

parabéns pela história, adoro pessoas objetivas, ótimo blog ;D

Lelê Mafalda disse...

Tomara que todos nóes tenhamos um binóculo em nossas vidas.

iti disse...

uam vida, tudo passa. os momentos são assim.uma lição
http://www.maquinazero.com.br/blog/

Unknown disse...

Bacana a Historia...
Confesso que as vezes da' vontade de fazer o mesmo...nao moro no Brasil e essa epoca do ano me deprime,invernao aqui nna Irlanda, tudo o que eu queria era um binoculo e olhar Dublin de longe e da' uma fugidinha para o Rio,que pra mim,sempre sera a minha casa !

Abracos
k

Alan Salgueiro disse...

Olá Fábio, fico feliz numa dessas suas belas missões tenhas encontrado o caminho do Versos.
Seu texto também é apreciável, combina muito bem a adaptação de um argumento histórico com o conto em si. Viajei nessa espécie de miragem que descreveste no texto atual.

Agradeço mais uma vez pelo prestígio e reforço com o convite para mais passagens nos caminhos de cá.

Abraço.

No twitter: @alansalgueiro.

Augusto Bier disse...

Por que eu sempre fico ambientando tuas histórias no cenário desgraçado da nossa provícia?

Daniel Silva disse...

Legal as histórias!

Você escolhe muito bem as imagens.

Abraço

Pobre esponja disse...

Legal (não gosto de ser como os outros, mas entrarei no jogo: todo mundo gosta!)
Legal à beça - é isso q querem ouvir...

abç
Pobre Esponja