terça-feira, 1 de junho de 2010

Em carne viva XII !




O Júlio arregalou os olhos, incrédulo. O próximo deve ter imaginado que se tratava de um assalto, embora pouco se ouvisse falar por estas bandas, ainda mais o que tinha para roubar na carroça eram sacos de açúcar, banha, algumas rapaduras e uma pá, que papai havia me encomendado, além, claro, do presente de Cecília, um bonito vestido cor de vinho com alguns adornos nas mangas.Ainda fiquei devendo alguns réis que embuti na conta.

Meu amigo não prima pelo raciocínio rápido, e provavelmente não deve ter lembrado que comentei com ele, um dia antes, das prováveis intenções do Neco.

Na quebrada da curva, umas duas léguas do Comandai, no capão que a gente chama de floresta negra, dois sujeitos, com aquelas boinas de inverno, que são abotoadas abaixo do queixo, e um lenço a lhes tapar a boca e o nariz, empurraram um enorme tronco de ipê para o meio da estrada, bloqueando totalmente nossa passagem.

O Neco é tão relaxado, que estava usando a mesma camisa listrada de todo dia. Mandaram parar a carroça e o outro parceiro dele tinha um chimitão na cintura. Não consegui identificar quem era. Esse provavelmente era da cidade, algum alcaide da laia do Neco.

Não falamos nada e paramos.

- Tu... desce e vem aqui. – apontou para mim o Neco.

Desci e me aproximei com cautela.

- O que vocês querem? A carga? – perguntei.

- Cala essa boca, piá de merda, e não me interrompa enquanto eu estiver falando.

Tive impressão que o Júlio chorava baixinho, atrás de mim. Tive vontade de bater nele. Era sempre assim, na escola era eu quem sempre o defendia dos valentões. Era meu amigo, mas não passava de um medroso chorão.

- Hoje tu vais aprender a não mexer com a mulher dos outros, guri.

- Do que tu está falando? – me parei de bobo.

- Não te faz de louco que não és.

Apesar do lenço nas fuças, dava para sentir o bafo de canha do Neco. Ele estava uma das mãos para trás, e achei que também tinha uma pistola. Eu estava com medo de morrer, mas não ia dar o prazer ao cachorro de pedir piedade.

- Tu estás enganado. Não estou mexendo com mulher nenhuma. –tentei ser firme.

- Ah é? Continua te parando?

Ele levantou a mão que tinha escondida atrás das costas, com um trançado de oito, e baixou sem dó. O primeiro estouro me pegou no ombro. Coisa pavorosa a dor. Ajoelhei na hora. Ele continuou falando alguma coisa que não entendi. A sensação do estouro deve ser como uma facada. Até a respiração é cortada por algum tempo. Olhei e vi que ele baixava novamente a mão, e tentei me defender levando o braço. Foi pior, pois desviou a trajetória e pegou transversalmente no rosto. Parecia que eu queimava, que minha cabeça estava em chamas. Não sei como, se de pé, ou engatinhando, procurei me proteger debaixo da carroça, mas não evitei o ultimo laçasso, que me acertou a paleta. Aí não enxerguei mais nada, nem dor senti mais.

As lágrimas que escorriam pelo meu rosto marcado não eram de medo, mas uma reação fisiológica a dor. Tudo já não importava mais, e se eu levasse um tiro, a coisa não seria tão terrível assim, naquele momento. É curioso. É um momento tão extremo, que a morte se torna secundária. Eu já tinha lido algo a respeito.

Quando meu cérebro começou a se reorganizar novamente já estávamos entrando na vila, eu havia vomitado nas minhas pernas e as pessoas paravam para olhar nossa chegada, como a pressentir que algo estava errado.

8 comentários:

Macaco Pipi disse...

que espetáculo
quanta gente boa que escreve tao bem por aí

roberyk disse...

Ótima sequência Fabio. Empolgante, com clima de suspense e ação. Muito boa mesmo, como todas as outras, desde o início. Cara, está virando uma novela e tanto.

Bernardo Vianna disse...

excelente achado!
vai pra minha coleção de blogs literários.
abraço.

Niemi Hyyrynen disse...

Oie.

Vc consegue dar sequencia rapidamente aos fatos, acho que isso é importante se tratando de blog.

:) não acompanhei todas as partes, mas no começo eu achava que "em carne viva" se tratava de lepra...kkk

=D abraços menino.

Niemi.

Anônimo disse...

Muito bom! (Tô meio afastado dos blogs, Fábio. Machuquei a mão, tá ruim de digitar... rsrsrs)

Abraço!

Macaco Pipi disse...

EM PURO SANGUE!

Anônimo disse...

Nossa, ta de parabéns pelo Post.
Voce escreve muito bem, Belas Palavras.


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Limão Tech disse...

boa escrita manolo, parabéns!