sábado, 11 de dezembro de 2010

Romeu e os pombos!





- Como é sua vida? – ela perguntou e colocou a cabeça em seu peito.

Era uma pergunta que inevitavelmente iria surgir, mais dia menos dia.

- Isso é importante?

- Sei lá, é apenas mais uma entre tantas que gostaria de fazer para você.

Aquele trajeto era perigoso. Ficou quieto. Ela continuou:

- Sabe, eu nunca fui uma xereta, não quero que pense isso. Só que estou me sentindo presa a certos princípios.

Agora ele não tinha como sair pela tangente.

- Não estou entendendo...

- Isso soa meio antiquado, né? Essa conversa de princípios...

Ele resolveu arriscar e ver onde ia dar.

- Acho que não. Se todas as pessoas se preocupassem com os princípios o mundo não seria tão complicado.

Ela levantou a cabeça, olhando em seus olhos.

- Você acha mesmo?

- Claro, eu não mentiria para ti.

- Mas omitiria algo importante?

Ele se ajeitou, o banco da praça estava se tornado mais desconfortável que de costume.

- Não.

Ela não se deu por vencida.

- É que existe aquela coisa da balança. O que pode ser importante para mim e não ser para você.

Ele sorriu com o canto da boca.

- É, mas sinceramente não sei onde tu quer chegar...

Ela deu um suspiro e virou o corpo para o lado do chafariz.

- Eu não queria isso, sinceramente. Já saí com muitos homens casados, estou escolada em desculpas, mentiras infantis e até medo por parte de alguns. Medo que eu seja uma psicótica, sei lá. Que os encontre na rua com as esposas e faça um escândalo ou coisa assim. Agora você não se abre comigo. Não fala nada das dificuldades que vem atravessando no casamento, dos filhos, do serviço, as coisas de praxe, que todo homem comprometido diz. Você é uma total incógnita para mim.

Ele ainda tinha o controle.

- Guria, lembra quando eu cheguei para conversar contigo na locadora? Pois bem, eu já te conhecia, como se fosse da minha vida toda. Tu é exatamente o que preciso agora.

Ela sentiu-se confusa.

- Eu poderia ficar lisonjeada e entender que te completo, mas esse “agora” que você falou é muito restrito.

As mulheres gostam muito do “para sempre” ele sabia. Não devia ter usado aquele “agora”.

- Tu entendeu errado. Esse “agora” que falei significa a urgência que eu tenho de ti, que só penso dia e noite em nós dois e acho que isso não vai acabar nunca.

Ela estava satisfeita até lembrar do teor inicial da conversa.

- Pois é, senhor mistério. Você sabe um bocado de mim. Isso me coloca em desvantagem.

Ela estava fechando o cerco.

- Fala como se estivéssemos em uma disputa...

Ela não recuou.

- De certa forma sim. Nos primeiros encontros eu tentei passar o melhor de mim. Agora conhece o lado obscuro, só que eu não tenho nada de você. Apenas o homem que veio até mim na locadora e desde então me proporciona os melhores dias da minha vida. Mas isso é pouco, eu acho. Eu queria dividir contigo. Sejam alegrias, tristezas, você está entendendo?

Ele teve um breve sentimento de culpa, que foi embora e logo voltou.

Silêncio.

- Tudo bem, acho que você não merece que eu esconda algo, afinal já estamos juntos há um mês.

Ela segurou o sorriso de triunfo.

- Claro que não. Tudo que eu quero é apenas formar uma imagem mais completa de você. Isso pode não parecer, mas é muito importante para mim.

Ele agora estava nervoso e recomeçou a jogar pipoca aos pombos, que agora eram muitos.

Ela se ajeitou no banco não mais tão desconfortável.

- O fato é que não sou e nunca fui casado e até te encontrar nunca havia nem cogitado essa hipótese. Não tenho filhos e nem sou complicado...

Ela franziu a testa e pelo seu olhar estava incrédula.

- Não acredito...

- Pois pode acreditar. Nenhum probleminha, neurose, vício bem pequenininho e situação financeira estável.

Longos minutos de silêncio. O que estaria acontecendo? Por que ela parecia tão triste?

Finalmente ela se virou e colocou a cabeça dele entre suas mãos.

- Meu bem, acho que ficamos por aqui. Eu adoro você, mas essa situação me pegou totalmente desprevenida. Vou procurar esquecê-lo e sugiro que faça o mesmo.

- ???

Ela levantou-se, colocou os óculos escuros, as lágrimas escorrendo pelo rosto e resistiu à tentação de ficar caminhando em direção à Marquês.

Ele ficou um tempo que depois não saberia precisar, ali, sem saber se ria ou chorava. Um pombo mais ousado pousou no lugar onde ela estava sentada e abocanhou ávido uma pipoca.

11 comentários:

Folhetim Online disse...

Deu a ideia de ter sido uma situação real. Foi?
Gostei do texto! Infelizmente essas situações são sempre indesejadas e desejadas, porém, nunca satisfatórias, nem pra quem dispensa ou é dispensado.

Foi inevitável não lembrar de um relacionamento que tive...

Parabéns! Gosto de histórias que me remetem à realidade.

Abraços
Gostaria de te convidar a participar do concurso. Visite o Folhetim e veja as regras!

darci ignacio da silva disse...

Muito bom.

Boa reflexão.

Bom texto.

Parabéns!!!

Barbara Nonato disse...

É! Até mesmo uma realidade aparentemente mais fácil e satisfatória pode confundir uma pessoa e alterar sua atitude.

Tantos são os que se perdem nestas situações...

Excelente conto. Até a próxima.

Eduardo o/ disse...

nossa
achei a reação da moça tão "centrada"


http://oarlecrim.blogspot.com/

Anônimo disse...

Era bom de mais pra ser verdade! hehehe!

Belo texto!

Abraço!

Anônimo disse...

Ela gosta de emoção oras... :)

Brenda Chaves disse...

Texto muito bom!
Reflexivo.Parabéns!

Anônimo disse...

O fato é que nem todo mundo suporta a verdade...

Curti o texto! :)

Saudações literárias!

Gosta/Cabelo disse...

adorei seu texto. teria sido inspirado em algo que aconteceu com vc? pois me parece muito sincero. parece q o dialogo carrega um sentimento pesado, como se eu soubesse desde o inicio q nao terminaria bem. pq ele nao foi atrás dela? ele devia ter ido... mesmo q nao ganhasse nada, só pra ter certeza

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Feliz Natal ^^

Tati disse...

Diálogos bem construídos, bons de ler... agora fiquei intrigada com o título. Será que seria metáfora das migalhas?! Ou apenas impressão?!

juscelino Filho disse...

Muito bom o texto muito bem escrito,ficou até uma certa vontade de saber mais da história desse cara ,se ele era casado e queria colocar a periguete pra correr ou se era solteiro mesmo.