domingo, 24 de abril de 2011

O fim do mundo!




A notícia se espalhou como fogo em um rastro de pólvora.
No início, boataria, alguém, um primo de longe, em passeio, havia comentado que em sua região era o assunto em voga. Dessa forma, chegou até o padeiro, que contou para o Antônio da venda, que por sua vez, passou para a Gertrudes do seu Adamastor, de onde toda a cidade tomou conhecimento. Mas era boato, coisa de gente desocupada.
Quando o fato se confirmou, através de um noticioso da capital, o restrito e limitadíssimo universo da interiorana Santo Ângelo, entrou em colapso total. O empório esvaziou suas prateleiras e o alfaiate não vencia a demanda de encomendas de ternos pretos. Seus Malaquias, o alfaiate, conhecido pela avareza e ganância, tinha sentimentos contraditórios. Nunca vira tanto dinheiro na gaveta do velho balcão. Viveria para usufruir a presença reconfortante dos mil réis embaixo do colchão?
Todos queriam estar bem trajados, afinal um evento cósmico, que poderia varrer a cidade dos mapas não era algo comum. A grande maioria dava como certa o fim de sua jornada na vermelha terra missioneira. Além dos ternos, a sapataria do Cosme teve um movimento nunca antes registrado, e o velho mulato obrigou-se a contratar e ensinar o ofício a dois magrelos que residiam na vizinhança. Os munícipes queriam aguardar a chegada do terrível cometa, com nome gringo, elegantemente trajados.
Seu Sá, para descargo de consciência, confessou ao padre o assassínio de três cães, que embora não primassem pela robustez, ladravam a noite inteira na Rua da Redução.
Dorival dos Santos, proprietário de uma loja de secos e molhados resolveu contar à devota esposa, que nas noites que saía para "fazer o balanço", na verdade, acabava caindo no porão do Chico Feio, onde andava perdendo muito dinheiro no carteado.
Etérea Fagundes tinha uma missão ainda mais penosa. Contar ao esposo a origem da alvura da pele do caçula Pedrinho.
Antoninho das Dores, o sacristão, vinha escutando o sibilar de um açoite e gemidos de dor, ao passar pela porta do aposento do padre Lara.
Bartolomeu Rezende, que junto com Floriano Bezerra e Nicolau Cortez representavam a "nova intelectualidade", também assíduos das boêmias mesas das casas mal-faladas e ateus fervorosos, foi visto rondando a casa paroquial durante vários dias, até que em um rompante adentrou com uma maçaroca de dinheiro nas mãos, atropelando as palavras e anunciando que queria comprar três rosários "para uma velha tia".
Bonifácio Gomes, funcionário do correio, de compleição magra, escasso de carnes e olhos de rato assustado, tirou as roupas, dobrou-as meticulosamente, e colocou-as sobre uma pedra. Em seguida, entrou nas águas frias do rio Ijuí, e foi caminhando até submergir totalmente, ignorando o fato de nunca ter aprendido a nadar.
Juvêncio Dias, pequeno criador de porcos no extremo leste da cidade, resolveu não mais matar os animais, iria a partir dali consumir só o que havia na despensa.
Antero Pitta, notório negador de contas, abriu o cofre escondido abaixo do assoalho do seu quarto, e retirou uma grande quantia. Iria, na tarde seguinte, fazer "um acerto, mulher!" com a imensa lista de credores.
Seu Gideão Varella,octagenário plantador de verduras, juntou os pertences mais necessários e os colocou na carroça junto à sua velha. Iria passar "uns dias!" na pequena propriedade rural para os lados do Comandaí, que se localizava em uma baixada. Talvez "a cauda do bicho não conseguisse atingí-los com rabetiada fatal".
E assim, as abnegadas almas, que residiam em Santo Ângelo Custódio, daquele inicio de século XX, esperavam ansiosos e tementes o seu fim do mundo...

4 comentários:

Lou Marciano James disse...

Salve Fábio!
Éh, cada um tem o seu próprio "fim do mundo".

Seu excelente texto corrobora c/ a idéia de que, diante do inefável sobrenatural das coisas, o homem não perde tempo na busca do perdão e da redenção.
Nesse momento, o importante é se redimir da culpa e tentar escapar no blue bus pela stairway to heaven!
Reflexivo!

Abrçs.

Anônimo disse...

Belo conto, Fábio! A idéia do fim sempre colocou terror no homem, embora eu ache que o que deveria assustar é a idéia de continuidade... Mas essa é uma opinião bem pessoal... hehe! Gostei bastante!

Forte abraço!

Eunisia disse...

FÁBIO,
várias vezes já criei o "fim do mundo", meus medos, minhas ansiedades, meus terrorres...mas,criei e continuo querendo ficar longe do " fim do mundo."
Excelente texto!!!
Abs,Eunísia

Marta disse...

Gostei dos seus textos. Voce não salvou minha vida, mas enriqueceu ainda mais minhas leituras. Um Abraço, Marta.