sábado, 26 de dezembro de 2009

A esquina do mundo!




Maurício era um bobo e sabia disso. Ricardo era ácido, direto e mal humorado. João Márcio era triste e vivia se queixando. Marcelo, o conquistador barato. Jorge posava de intelectual,fazendo citações literárias a cada assunto. Flávio, o analítico.
Quando se juntavam em conluio etílico nos finais de tarde da sexta-feira abafada, nas próximidades da Catedral, era difícil notar todas essas disparidades entre eles. Pareciam homens comuns, ansiosos por uma cerveja bem gelada para amenizar os efeitos do dia exaustivo em seus empregos.
Mesmo dia da semana, mesmo horário. A ordem de chegada ao bar era rigorosamente a mesma, exceto quando o carro de algum estava na oficina, ou em situações extremamentes imprevistas. Flávio era o primeiro. Chegava, puxava a mesa de plástico e as seis cadeiras para perto do ponto de táxi, de modo a enxergar o fluxo de pessoas nas ruas Antônio Manoel e Marquês do Herval. Gostava de todo aquele cerimonial que antecedia a reunião propriamente dita. Podia observar tudo dali.
Marcelo chegava uns dez ou quinze minutos depois. Camisa pólo listrada, dessas que pululam por aí nesse verão, calça jeans extremamente justa e tênis tipo skatista. Flávio lembrou que ele comentou algo a respeito de clientes que migraram para outros escritórios de advocacia, mas deixou o pensamento para lá. Sempre efusivo, o cabelo artesanalmente caído sobre a testa, cumprimentava braço a braço, a mão espalmada para o choque, quem não era precavido se assustava com o estalo. Logo se aprumava na cadeira em posição de cuidar e tecer comentários a respeito de ancas, peitos e glúteos. Irrecuperável.
Ricardo chegava com ar de fugitivo, o cumprimento seco e sério sem mostrar as gengivas e a olhar para os lados enquanto sentava, como que fazendo um reconhecimento do terreno em volta. A reclamação seguia uma cronologia repetitiva-
cadeira dura, mesa suja e cerveja quente.
João Márcio deixava o velho Corcel I já estacionado em alguma descida, visto a falta de arranque, falta de dinheiro e falta de vergonha do último mecânico que tratou da engenhoca. Vinha cabisbaixo, magro, as roupas largas e olhando seguidamente para o chão como que a procurar algo que havia deixado cair. O tique nervoso era puxar as calças para cima.
Maurício vinha logo atrás de João Márcio fazendo um alarido que espantava as famintas pombas que vasculhavam em busca de alguns farelos de xis, a rir da magreza do companheiro que sinalizava aos outros com o dedo em movimentos circulatórios próximos a cabeça como que a questionar a sanidade do amigo.
Jorge chegava por último. A cadeira da ponta da mesa, se é que mesa quadrada tem ponta, era dele. De frente para a rua principal. Para destilar sua sabedoria para o grupo e para quem quisesse ouvir quando passasse. A pasta de serviço,o laptop e mais dois ou três livros que chegaram pelo correio. Obras clássicas. A luz do mundo. A vacina contra a ignorância atualizada na edição 2009. Era prevenido.
Eles reinavam absolutos, ali na esquina do mundo naquele fim de tarde de sexta-feira...

15 comentários:

Leandro disse...

obrigado cara, Deus te abençoe,
tem um post seu ai sobre daniel
eu fiz um desenho dele em cartoon na cova dos leoes hehuehu
abraços

Pedro Prado disse...

Heey,
Não há coisa melhor do que poder ver a vida passar , ah como eu queria fazer isso que eles fazem!!


=)

Isa. disse...

hahaha adorei! ainda mais a música! TOOOOCA RAUL! haha

Anônimo disse...

Pois é... um classico encontro de amigos

Millena disse...

Ver a vida passar...
Viver as coisas boas da vida é essencial.
Gostei do título do post: A Esquina do Mundo!

MatheusS disse...

Me lembrei de como é difícil reunir meus amigos, não importa a ocasião. No tempo livre, nas férias, todo mundo viaja e nunca se encontra. Manter amizades é um exercício da vida..

luciana disse...

tem algo mais brasileiro que ir ao bar beber com os amigos?

americanos ficam em casa bebendo cerveja, mas o brasileiro nao, ele compartilha com os amigos esse momento.

bom texto.

Vini e Carol disse...

Saudades de quando isso era possível, ficar à toa, agora é raro. E ah, adorei a música =)

Beijos, Carol.

Schraubles

Robson Valente disse...

muito bom blog...

inteligente não é como muitos...
gosto disso de pensamentos que nos levam a refletir.. abraço entre no eu blog

http://transpondomuralhas.blogspot.com/

roberyk disse...

Nostalgia....judiou.

Marjorie Bier disse...

Encontros consonantais em alguns raros hiatos de tempo. Gosto.

Unknown disse...

amizade e isso...todos somos diferentes...mas nem por isso deixamos de ser amigos...

Fábio Souza das Neves disse...

Muito legal o conto, gosto bastante do que escreves. Me identifiquei como Jorge sou o cara das citações literárias! Me lembrou reunião que eu tinha com meus colegas de faculdade as sextas-feiras depois da aula de Metodologia no bar Sandwich!
A propósito como colocar no blog as reações dos leitores? Abraço. Feliz Ano Novo

Luis Sapir disse...

Um grupo bem heterogênio que com certeza faz uma mesa de bar ser muito interessante! Justamente por essa diferença tão grande!

E o mais legal é que apesar de milhões de diferenças, todos tem algo em comum, tomar uma cerveja depois de um dia exaustivo.


Lindo a forma como escreveu sobre a chegada de cada um.


Seu texto é rico em detalhes e muito humano.


parabens

Flavio DsV disse...

um bom texto, excelente sob o ponto de vista da descrição, cena 100% vizualizada!!! muito bom mesmo... voltarei...