quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Vinte e um!




O japinha da floricultura tinha ido com a minha cara. Havia doze candidatos, a maioria mais apta que eu à função. Pelo menos eu achava. Ele veio cego em mim.

- É você que eu quero. Li seu currículo e gostei muito.

O coitado não sabia que era tudo mentira. Tudo forjado, referências, tudo.
Contei a meu tio que iria sair da sua casa, finalmente.

- Rapaz, acho que você não tem jeito. – decretou o velho.

Talvez ele tivesse razão, mas o fato é que eu não queria apodrecer atrás de um balcão de açougue, mais ensanguentado que a Carrie, a estranha. Ele sim, já fazia parte daquele ambiente. Era como uma peça de carne. A diferença é que não estava pendurado por um gancho.

Há meses eu procurava emprego em lojas do centro. Boutiques, escritórios, farmácias. Alguns lugares cheguei ao contrato experimental, mas não esquentava banco e implacavelmente voltava aos bicos do fim de semana atendendo no açougue de meu velho tio, que no rastro me cedia um quarto provisoriamente até eu me alinhar. O problema é o que o provisoriamente vinha se transformando em definitivamente. Era essa a sensação.

- Já vou indo. Sábado venho buscar a cama e a tevê. Dê um abraço na tia. – ele resmungou um adeus e imediatamente foi abduzido pela notícia de capa do jornal à sua frente.

Avancei pela rua deixando o subúrbio para trás. Iria ao sebo, comprar dois ou três livros para a semana. O ar quente de dezembro pedia urgência. Eu estava mais aceso que um foguete. As vitrines estavam bonitas, as ruas do centro com todos aqueles balagandãs eram atração. Acendi um charuto. As pessoas me olhavam curiosas e eu parecia uma locomotiva soltando as baforadas.

Eu não precisava muito para ser feliz. Algumas peças de roupa legais, um tênis, podia ser surrado, um quarto de pensão e livros. Ah, um pouco de dinheiro, não muito senão eu me estrago. Mas não esquento muito com isso.

Meu tio havia perguntado, referindo-se ao quarto emprego em seis meses:
- Não acha um pouco sintomático?

-Não posso trabalhar em um ambiente que não me seja favorável...

- Se fosse eu o dono da tal floricultura, tu nem começarias. Conheço o malandro pelo andar...

Eu tinha vinte e um anos, nenhum compromisso, a não ser com tentar me sentir bem o tempo todo. É fácil sentir-se bem com vinte e um anos, isso eu garanto.

A esquina se aproximava. Desisti de comprar os livros. Até chegar ao cruzamento eu decidiria para que lado dobraria. Comecei a assobiar um velho folk-rock...

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*Este conto originalmente se chamava "Pequena ode ao inverno que chegou" e escrevi lá por junho, despretensiosamente como exercício de escrita.Enviei ao meu velho amigo Roberto Kusiak para ver se encaixava algo no http://totolunatico.blogspot.com/, blog experimental que participo esporadicamente e gerenciado por ele. Aí ontem achei perdido o rascunho na gaveta e gostei do que li.Fiz algumas adaptações à estação do ano e mandei bala.Taí.

9 comentários:

Allan Lemos disse...

Conto muito bem elaborado, parabéns pela textualidade

Unknown disse...

interessante o texto...como aquela musica vinte poucos ai=nos...rs...

Unknown disse...

tudo forjado é otimo! rsrs hoje em dia é assim mesmo.... parabens, texto bom, vamos lendo e lendo...e nem percebemos.
paranéns.

Nicelle Almeida disse...

Nossa, muito bom o seu texto. Adorei a dinâmica dele. A gente lê que nem sente...é gostoso, sabe? Parabéns!!

Um forte abraço, meu caro.
Me visita tb. Adoraria receber uma visita sua em meu espaço.

Sucesso na trilha! ;)

www.nicellealmeida.blogspot.com

Lucas Adonai disse...

parabens pelo texto e pelo blog
abraçs. e sucessos

Anônimo disse...

Legal o Conto, Fábio! Gostei mesmo!

Anônimo disse...

ai seu blog e irado tem altas coisas legais

to seguindo tb ok's

e pode ter certeza q volto outras x

esperando por post's novos

ok's

;)

to retribuindo o comentario e o seguimento
q vc fez no meu blog

ok's

acessa lá depois
http://www.iubdeds.com.br

Matheus Rego disse...

Olhe, nos últimos tempos não tinha tido tempo algum pra ler, qualquer coisa que fosse. Agora, entrei de férias justamente no dia que você me enviou este link!

A tua escrita é impressionante. Vou tirar um bom tempo das férias, aqui, pra ler o que perdi no blog, esses tempos!
Esse texto, em especial, lembra muito a escrita de John Fante, e um pouco de Bukowski, até mesmo. Muito agradável e com poucas palavras você consegue criar todo um universo familiar ao leitor e contextualizar o personagem nesse universo. A trilha sonora, então, está sempre em ritmo com o texto.

É bom ver alguém com tanto talento e competência. Fora de brincadeira e sem puxa-saquismo, você realmente tem um pleno domínio do que faz!

Abraço!

Anônimo disse...

Cara, adorei esse texto! Mandou muito bem!

Sem mais palavras.