quinta-feira, 24 de março de 2011

Um estranho na multidão!




Os rostos são estranhos. Talvez por eu ser um estranho. Passam rapidamente por mim. Curiosamente procuram um contato visual e encontram o obstáculo do meu impenetrável óculos escuros. A calçada é estreita para o enorme fluxo de pessoas. Workholics apressados fazem malabarismos improváveis para ganhar tempo e dianteira dos demais. Filas quilométricas saem das lotéricas. Máquinas de sorvetes e expressões ansiosas aguardam a vez. Artesãos ambulantes sentados no meio fio exibem suas obras em tapetes estendidos no chão.
O fato de eu não gostar do olho no olho não denota falsidade. A viagem é outra. Observar e estar protegido de um possível intruso. Meu olhar poderia me denunciar? É bom não arriscar.
O velho sentado em uma dessas cadeiras de abrir na esquina do banco me puxa pela camiseta "tenho todo tipo de ervas e chás para qualquer enfermidade, filho!". Sorrio sem responder. E as doenças da alma, o senhor sugere o quê?
Apresso o passo. Os primeiros pingos de chuva na abafada tarde de verão se precipitam sobre a multidão. Me abrigo debaixo de uma marquise da loja de eletrônicos. Sou espremido contra o vidro da vitrine por pessoas tentando não se molhar. O jeito é esperar Olho para dentro da loja e vejo um gestual vendedor fazendo uma explanação provavelmente sobre as vantagens que aquele casal do interior vai ter em adquirir a reluzente máquina de fazer pão. Um corpulento senhor pisa no meu pé direito. Porra! Foi-se a minha unha. "Desculpe!". Resolvo continuar minha andança, mesmo com chuva. Agora os poucos que se aventuram a confrontar os pingos agora gelados me olham com mais curiosidade. Ah, os óculos escuros! Sinto muito, mas não estou preparado para o mundo e suas cores reais. O cabelo gruda na minha testa, a camiseta nas costas.
Quanto vale uma vida normal? A vida como a que essas pessoas que se assustam com uma chuva revigorante dessas? Ou que vivem uma constante disputa contra um adversário que sequer conhecem? Bem, eu já não luto mais. Decidi trazer o adversário para o meu lado. Observo e isso me basta. "Olha o arco-íris!”. Não enxergo por causa dos óculos escuros e as cores são muito fortes...

Um comentário:

roberyk disse...

No mínimo reflexivo. A bengala psicológica representada pelo óculos escuro significa que a personagem encheu-se da realidade e não mais quer ver o mundo nu e cru ou, ao contrário, significa que ele não quer ver este mundo nu e cru? That's de question.