quarta-feira, 3 de junho de 2009

Exéquias!!!



Na contra-mão da lógica,um velório com tudo que manda o figurino pode tornar-se um espetáculo muito interessante e divertido.Pelo menos para quem é escritor,"pseudo" escritor,psic(ó)-escritor,ou qualquer coisa que se ramifique dessas categorias.
Claro, tem de ser bem escolhido.Os que se derivaram de fatos trágicos e os quais o protagonista faltou de forma abrupta não são os mais apropriados.Já os que o defunto era uma pessoa folclórica ou a qual seu círculo de relações era quase inteiramente formada por motivos interesseiros,podemos passar nossa paletó(cores discretas), lustrar os sapatos e aproveitar.
Durante as exéquias, pode-se facilmente observar(sob o olho clínico,ou seria cínico?) do escritor todos os tipos de comportamento humano.Desde sentimentos verdadeiros pelo falecido, como momentos em que literalmente a ansiosidade para logo
soterrar o morto fazem as máscaras caírem.
Não sou grande frequentador e entusiasta por velórios(!!!)e não me dou bem com o cheiro mortiço das velas,flores e afins. Procuro deixar para quando estritamente necessário.
Há cerca de dez anos, fui em um que me fomentou uma vontade de registrá-lo.Clássico e com todos os elementos dramatúrgicos,personagens até mesmo excessivamente caricatos e previsíveis(como não deixar de ser em uma pequena e provinciana cidadezinha das Missões?).
O falecido em questão era um parente longínquo.Militar aposentado,granjeiro e reverenciado como um dos baluartes da vitude na comunidade,era viúvo há muitos anos.A conduta ilibada e correta trazia somente uma pequena mancha-uma moça que sustentava desde a falta da esposa.Coisa pouca para tão invejável currículo!
Avistei parentes e conhecidos que não via desde criança,inclusive só fui reconhecido
por uma tagarelante senhora que já havia colhido colhido informações sobre quem era "aquele barbudinho".Com toda aquela disposição que tenho para o social,busquei um lugar apropriado e solitário com bom ângulo para assistir os trâmites inivitáveis!
Perfeito!Cheguei antes da minha tia-avó(existe esse parentesco?)que era cunhada do desaparecido.Com toda essa onda que vai por ai de personal isso e aquilo,ela com certeza daria uma fantástica funeral-trainning.Que postura! Sofrida,as olheiras profundas,o grito enregelante ao entrar na capela e o andar trôpego(de preferência amparada dos dois lados)e finalmente se atirava em um gesto teatral sobre o esquife como que dizendo para ser sepultada junto. Todo esse procedimento durava exatos seis a oito minutos,dependendo do tamanho da platéia. Pouco tempo depois era vista matraqueando sobre se "a outra" não apareceria,totalmente recuperada e até gargalhando baixinho. Pronto.Havia iniciado com chave de ouro o velório!
Os "contrários" reuniam-se em um lugar aparte para destacar as virtudes políticas e prestar uma espécie de requiém.Não haveria adversário tão duro,mas também leal!A política perderia a graça.
Como o decano decidiu(foi ele?) deixar este vale de lágrimas no início da tarde o velório se arrastaria madrugada adentro.Tudo como o esperado.As duas horas toda aquela multidão começa a se retirar para voltar para o sepultamento. Ficam apenas os parentes próximos.Como você está diferente, sabia que a prima foi abandonada pelo marido, vamos fazer um cafezinho,não tem um sofazinho para a gente se esticar?
Provavelmente o morto riria muito se pudesse(se é que não pode)enxergar toda aquela movimentação em torno de seu corpo e seria um belíssimo comparsa desse patife metido a escritor!

3 comentários:

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

Olá Fábio. Como vai? Espero que bem. Com relação ao seu "relatório" que acima resta desfraldado pelas lanças do teclado, é de se dizer que todo velório, antes de ser um acontecimento emotivo, é um acontecimento social. Começa geralmente com uma maré de choros dos parentes apegados ao "desaparecido" (termo que você utilizou e do qual gostei muito), mas acaba com os tios contando causos e dando risada na parte de fora da funerária pelo simples fato de que não há mais o que fazer. Em realidade, pelo menos na minha concepção, os velórios existem para que aqueles que de algum modo conheceram o finado (aqui para utilizar a terminologia clássica), acostumem-se com a idéia do seu "sumiço". Por conta disso que não existe ateu em avião caindo e muito menos em velórios, já que em situações como essas a morte faz com que apelemos para o imponderável com a única finalidade de alcançar algum tento infinito para a nossa condição finita. Esse fato pode provocar riso para aqueles que fazem da lógica a melhor de todas as ironias. Entretanto, para aqueles que passam pela situação de parentes próximos do "apagado" (variante do "desaparecido" que acabei de criar), as coisas não são assim um torvelinho de intelectualidades e sorrisos dados pelo canto da boca. Contudo, se formos contemplar a existência a partir da negação daquela fita amarela de samba antigo, tudo nos parecerá tão feio quanto o Sartre, muito embora ele tenha sido um homem genial. Logo, é preciso que tenhamos sim esse sorriso de canto da boca que está contido em cada linha que você tracejou, pois do contrário faremos da existência e especialmente do fim dela, uma lamentação sem fim, considerando-se que ela é inevitável assim como é inevitável um ponto final mesmo na mais longa das obras. Portanto, se acaso temos algum destino, é certo que se ele é escrito por alguém, esse alguém cansou de contar nossa história e só de sacanagem decidiu nos "apagar" do mundo. Ou seria do seu HD? Fica a pergunta, já que tudo, no fundo, é criação. Um forte abraço!

Marjorie disse...

Fábio... chegaste a ler NOITE do Erico? Tem um capítulo que narra um velório e que é de deixar qualquier um perplexo. Aquele humor refinado e satírico do escritor, mais a estranheza da situação e uns dramalhões típicos. Precisa ser lido. Gostei do texto e assino: sim, é um acontecimento sociasl nas Missões.

Marjorie disse...

Não reisti... http://www.jangadabrasil.com.br/realejo/series/rezasdedefunto.asp