sábado, 13 de novembro de 2010

Em carne viva XXIII ! "A estupidez é infinitamente mais fascinante que a inteligência; a inteligência tem seus limites a estupidez não." C. Chabrol





Neco acabou voltando outra e outra e muitas vezes mais. Também era estúpido, mas pelo menos me enxergava como mulher. Minha vida continuou naquele ritmo, as cucas, a venda e minhas gurias crescendo. A Irene muito parecida com a gente do Polozzi, grandona, a pele muito branca e com o gênio forte. A Veridiana doce e inteligente.

A comunidade era muito fechada e unida, todos se ajudavam muito. Quando fiquei doente pela primeira vez, passei duas semanas no hospital em Santo Ângelo. O doutor Braatz não descobriu o que eu tinha. Era febre altíssima, dores pelo corpo e a pele em brasa, parecia que eu iria incendiar. O Antônio apareceu três vezes, tinha que cuidar do armazém. Sua irmã e algumas vizinhas que eram minhas amigas se revezavam na vigília. Pensei realmente que iria morrer. No décimo terceiro dia, assim como a doença apareceu repentinamente, ela sumiu. Amanheci me sentindo bem disposta e no dia seguinte voltei para casa. Foi o primeiro anúncio.

Retomei minha vida normal, o atendimento no bolicho, o mate cedo com a clientela. O Neco se afastou. Ele tinha se envolvido com outra mulher casada e talvez estivesse com medo que o Antônio descobrisse algo. Foi melhor para todo mundo, cheguei a essa conclusão na época. Mas o que eu não sabia é que tudo estava escorregando para um abismo sem volta.

As coisas foram acontecendo em uma rapidez surpreendente para o lugar onde morávamos.
Primeiro duas mortes pertinho do Comandaí. Pessoas conhecidas e bem relacionadas com a comunidade brigaram a faca por causa de uma divisa de cerca. O Toninho Moura e o seu Tenório. Uma facada e um tiro e os dois morreram. Uma desgraça enorme, pois suas esposas eram irmãs e tinham um punhado de filhos cada. Foi o assunto para muito tempo.

Depois uma tormenta que até hoje não vi igual. A tarde iniciou com muito calor, o ar parecia sólido de tão pesado. Ali pelas quatro da tarde o céu começou a ficar cor de chumbo. Na linha do horizonte, onde apareciam duas coxilhas que ficavam dois quilômetros distantes, logo foram engolidas por uma chuva e ventos que parecia ser algo da providência divina para punir todos os pecados que estavam ali, no nosso povoado, alguns de conhecimento geral, outros, inconfessáveis.

Noventa por cento das casas foram destruídas. Duas pessoas que pescavam foram surpreendidas pela enxurrada que se misturou à correnteza do rio. O telhado da nossa casa levantou vôo e sumiu girando em uma dança tenebrosa junto a pedaços do caibro. A fúria do tempo que se abateu sobre nós foi tanta, que árvores seculares foram arrancadas e jogadas a vários metros de distância.

O que foi uma tragédia natural para a maioria dos moradores, para mim era um pequeno alerta do que ainda viria.

2 comentários:

Eunisia disse...

Fiquei viciada no seu blog. Muito curioso!

Matheus Rego disse...

Há quanto tempo não passo no blog pra ler a história! Tenho estado sem tempo, admito, mas pretendo retomar do capitulo XV, acho que foi onde parei!

Bem, vim aqui avisar, também, que roubei sua citação do Claude Chabrol, que calhou muito bem com meu texto também, hehe!

Assim que tiver tempo vou retomar a leitura, aqui!

Grande abraço!