terça-feira, 30 de junho de 2009

Umidade até na alma!




O homem entrou no meu táxi sem perguntar se eu poderia fazer a corrida.
- Toca para a rodoviária urgente.
Eu poderia perfeitamente ter inventado uma desculpa, afinal já estava quase na hora do almoço e eu não havia tomado café, mas a prestação do financiamento de sessenta meses do carro venceria dali alguns dias.
Resolvi ser político com a criatura que pelo aspecto perturbado estava metido em alguma enrascada. Liguei o rádio onde um velho som dos Pixies "Here come´s your man" destoava da situação. Porto Alegre? Pouco provável. A falta de bagagem e a pasta, daquelas afiveladas mostravam que o alvoroçado homem tinha alguma atividade comercial ou algo no gênero. Entrei na Sete de Setembro, onde o trânsito estava relativamente calmo para aquele horário. O ar extremamente abafado e as nuvens pesadas anunciavam um bom volume de chuva em pouco tempo.
Dei uma rápida espiada pelo retrovisor. O amigo da maleta estava visivelmente nervoso.
Olhava para o relógio rolex insistentemente como se estivesse com uma bomba relógio no bolso. Não devia ter mais que quarenta anos. Apesar de meu pouco tempo na profissão, já tinha desenvolvido o olho clínico para certas situções. Aquilo tinha a ver com algum rabo de saia. Namorada, amante talvez, isso, amante era o mais provável. O hábito e uma espécie de obrigação do taxista é fazer-se cordial e iniciar uma interação com o passageiro, muitos se abriam como se estivessem no próprio divã. Fiquei entre a cruz e a espada. Aquele cara não estava para muito papo.
Mas que diabo, a menos de uma hora uma velha senhora tinha me alugado de modo absoluto. Contou toda a cronologia de sua vida, a árvore genealógica e queria que eu contasse minhaa ascendência. Agora estava eu ali, louco para saber o que afligia aquele taciturno ser. Mais uma espiada. Estava a tentar desesperadamente uma ligação ao celular, balançava negativamente a cabeça. Era sério o rolo.
Os pingos começaram fortes e repicantes no pára-brisas. "Não vai, fica! Prometo que vou te fazer a mulher mais feliz do mundo..." - Tinha conseguido completar a ligação. Eu tinha razão. Mulher.
Para o azar dele aquele tempo na Capital das Missões, com uma umidade pegajosa, as nuvens espessas e escuras tinham tornado aquele meio-dia quase noite, não era o mais apropriado para um provável fim de relacionamento. Ele tentava argumentar, a pessoa no outro telefone parecia irredutível.
As vezes tiro com as situações que se me apresentam. Muito egoísta, tiro só com a desgraça dos outros. Um grave defeito que tento corrigir ha muito. Mas não foi aquele dia. Busquei uma grande e melosa música do Barry White no meu Mp3 e lasquei no rádio "Just Way you are", ou vai ou racha. Trilha sonora para demolir corações.
Ao fazer o contorno em frente à rodoviária avistei o motivo de tamanho desespero. Uma bonita e elegante mulher ao celular na calçada de entrada se protegendo da já forte chuva.
Quando meu cliente já havia me lançado uma nota de cinquenta reais(!!!) e nem esperaria o troco, colocou o pé para fora do carro e estacou.
Olhei pelo espelho e vi a mulher fechando abruptamente o celular e dar um sorriso disfarçado para um homem alto de casaco escuro e também muito elegante. Ele a beijou rapidamente com as passagens na mão e se dirigiram ao setor de embarque. Ela ainda deu uma rapida olhada por cima do ombro para o homem que estava em pé, todo molhado ao lado do táxi. Ela sumiu da vista e ele ficou ali cerca de três ou quatro minutos tomando uma enxurrada na cabeça.
Entrou novamente no carro, não reclamei da água que trazia consigo, afinal com os cinquentinha eu mandava fazer a lavagem da semana no carro. O Barry continuava com sua voz potente e aveludada cantando as mazelas de um relacionamento conturbado.
Ele puxou um lenço, secou o rosto e olhou hostilmente em minha direção.
- Desliga esse corno do Barry White e toca para o Tagreli que eu tô precisando beber alguma coisa...

9 comentários:

Anônimo disse...

Hehehe! Boa! Bem escrito!

É Dura a Vida no Campo disse...

Excelente texto, prende o leitor, com a música de fundo... e um ótimo final. Parabéns!!

Ana Paula Moreira disse...

Muito bom o texto!! Caso verídico?? Rsrs... é engraçado mesmo como tem gente que conta tudo para taxista..

Marjorie disse...

Tem que saber com ele... foi temporal ou garoa?

Kelly Christi disse...

Taxista eh uma personalidade excêntrica no cotidiano mesmo...

curti o texto!!!

bj

http://www.pequenosdeleites.blogspot.com

Tiago Dadazio disse...

SEMPRE ACONTECE...

*Teta de Nêga* disse...

A musica do Barry White é a melhor!!!

Edi disse...

Pelo visto os taxistas conseguem absorver mtas vezes as situações dos passageiros, imagineu a cena e fiquei pensando na dor do coitado...

Thiago Nardi disse...

Incrivel a visão do taxista e o modo como foi escrito..