segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Nelsonrodriguiana!




Quem sou eu?
Ótima pergunta. Até aquela quente manhã de verão eu era uma sombra escondida em uma vida medíocre de servilismo burucrático em um pequeno e sujo escritório de advocacia. Não vou negar que aquele poeirento ambiente me deixava extremamente à vontade. Livros emontoados por cima das três antigas e pesadas mesas de mogno. As crises alérgicas que me causavam eram o ônus de usufruir do lugar. Um antigo e pesado rádio à luz, orgulho da velha múmia Vasconcelos, insuportável dono da firma era o que ornava uma das prateleiras da estante onde os livros mais usados para pesquisa ficavam.
Éramos três funcionários. Eu, o Moreira e a Lurdinha. O Moreira era bem mais antigo que eu, também submisso ao gênio irascível do Vasconcelos. Solteirão, franzino e narigudo me lembrava sempre o Ranulfo,o inimigo do Mickey. Morava em uma pensão antiga e mal cuidada no centro da cidade, era alvo de constantes especulações à respeito de sua sexualidade, talvez culpa de seu temperamento arredio e reservado. Eu particularmente o admirava muito, principalmente por seu senso de organização, coisa rara na minha mesa, onde calhamaços de antigos processos, alguns já amarelados pelo tempo se amontoam em uma profusão absurdamente crescente.A impressão que eu tinha é que cada vez que eu chegava pela manhã, a pilha crescia, inversamente à procura dos clientes pelos nossos serviços.
A Lurdinha era o motivo da minha permanência no escritório. Era o arquétipo da mulher fatal. Morena, alta, olhos que pareciam prometer prazeres indescritíveis a quem com ela conversasse e fosse abduzido por aqueles olhos hipnóticos. Eu a amava com o coração, a mente e todas as minhas gônadas. Ela sabia disso e como boa biscate que era, procurava sempre me provocar, passando sempre rente a mim nos espaços reduzidos da sufocante sala onde atendíamos. Queria que eu sentisse o cheiro do seu perfume, que não era grande coisa comparado com seu formidável cheiro de fêmea. Procurava volta e meia usar o fichário que ficava ao lado de minha mesa, deixando aquele avolumado traseiro quase na minha cara, o que resultava em variadas alterações fisiológicas em mim. Fazia um ano que o Vasconcelos anunciara a chegada da nova secretária, vinda segundo ele de um curso ténico em contabilidade, coisa que dúvido muito, pois sua total inaptidão para outra coisa que não me provocar era causa dos acessos de riso do Moreira que vez por outra largava algum documento que estivesse a ler, baixava os óculos fundo de garrafa até a ponta do nariz e ficava a observar a pouca destreza da moça para com tudo relativo à rotina do lugar. Quando ela derrubava algum livro ou me fazia alguma pergunta sobre gramática aos berros da sala de espera- "Seu Marcos, processo é com dois esses no início ou no fim?"- eu escutava retumbar a risada do Moreira na mesa ao lado.
Eu há muito vinha saturado com todo aquela falta de perspectiva do escritório, que vinha definhando, perdendo antigos clientes para jovens advogados, minhas comissões muitas vezes não pagas e a consciência que tinha potencial para ter meu próprio negócio vinham me impelindo a sair de lá.Até a chegada da Lurdinha!
Eu já estava em um estado de paixão que não aguentava os fins de semana que passava sem vê-lá. O problema maior resumia-se no fato que era amante do Vasconcelos e mais de meia dúzia de funcionários do Fórum os quais ela falava ao telefone. Claro,o Vasconcelos não sabia, afinal era ele que bancava o ótimo apartamento na Bento Gonçalves, roupas caras e comida da melhor. Aliás o caso do Vasconcelos era emblemático,pois em casa era um mão de vaca implacável, a mulher e os filhos só comiam carne aos fins de semana. As roupas eram compradas em saldões de fim de estoque em lojas populares.
Enquanto subia as escadas naquela sufocante manhã de verão, já tinha todo o plano armado. O filho da mãe do Vasconcelos ia ter uma senhora surpresa comigo. Todos aqueles anos de desmandos e pouco caso comigo iriam acabar naquele dia. Minha sina de perdedor acabaria ali,naquele dia. Mandaria ele à merda,pediria minhas contas e negociaria os encargos trabalhistas me me devia. Com o dinheiro compraria um mobiliário para uma sala que eu vinha namorando há semanas em uma galeria central. Entraria em contato com alguns clientes fiéis que só tratavam comigo e os levaria junto. Às favas a ética, ele que fosse para o inferno. Para arrematar o golpe final- convidaria a Lurdinha para vir comigo e ser minha secretária exclusiva. Provavelmente não aceitaria,nem eu teria condições de bancá-la, mas o gesto corajoso em si provavelmente mudaria minha imagem perante ela. Talvez essa coragem e empreendorismo que a maioria dessas interesseiras do naipe dela gostam, despertaria uma curiosidade que talvez acabasse uma noitada de sexo.
Entrei resoluto na sala de espera e estranhei a ausência dela. O silêncio na sala de atendimento era sepulcral, nem o maldito rádio ligado na estação que tocava vinte e quatro horas de música sertaneja não estava ligado. O Vasconcelos estava em sua mesa, a cabeça entre as mãos, os olhos no vazio. O cofre que ficava atrás do quadro do menino chorando estava escancarado.
- Marcos, tô fodido! Eu tinha quase cinquenta mil nesse cofre entre dinheiro, jóias e títulos...recebi uma ligação da mãe da Lurdinha. Ela arrumou as malas e acompanhada por um homem que pela descrição...ainda não acredito...era o Moreira, que se apresentou como namorado dela, fugiram os desgraçados!
Me dirigi até a estante, liguei o rádio em uma música do Milionário e José Rico, que falava das dores do amor não correspondido, sentei em minha mesa rindo sozinho e comecei a organizar aquela papelada, afinal que mal teria eu trabalhar mais alguns dias e ficar apreciando aquela tragicomédia que se abateu sobre o escritório da Avenida Brasil,526?

26 comentários:

Macaco Pipi disse...

NUNCA O CONHECI A FUNDO!

Anônimo disse...

Muito interessante o que vc escreve...! sucesso aqui !

oprutki disse...

ahahaha...muito bom..gostei..sucesso

Leandro Venturama disse...

Muito bom texto. Apesar de você ter vícios de linguagem que atrapalham um pouco o desenvolvimento da trama.

Tente falar mais como o personagem e "esqueça-se" um pouco.

Ótimo blog. Irei acompanhar.

CAMILA de Araujo disse...

Interessante!
Muito sucesso.

www.teoria-do-playmobil.blogspot.com

iti disse...

bacana seu texto...
gostei do blog..
http://www.maquinazero.com.br

Unknown disse...

Gostei muito do blog. O seu texto me lembrou os de Nelson Rodrigues. Talvez por isso o título dele Nelsonrodriguiana?


Parabéns pelo texto.

Unknown disse...

Nossa, gostei da forma que o texto foi escrito. Até conheci algumas palavras mais rebuscadas XD

Unknown disse...

Muito bacana, vc tém um estilo marcante de escrever raro de encontrar, muito legal e obrigado pela visista no Res cogitans.
http://alexandreluz.blogspot.com/

Ana Paula Almeida disse...

Gosto muito de ler contos e gostei desse...lembra Nelson Rodrigues mesmo, como disse a colega ali em cima. Parabéns pelo blog!
Bjs

PS: Tb gostei da música que toca aqui no blog. =)

Unknown disse...

muito bom o blog como sempre, recebeu o selo blog dorado do "Kabido.com

Anônimo disse...

Sofia se diverte.

Maria Chuteira disse...

o interessante nesses textos é que nos prende até o final, começamos e vamos nos identificando ou vendo pessoas nele, o qeu é mto legal.
gostei muito , parabéns!

Keisy Oliveira disse...

Gostei muito do seu blog. Realmente.. Lembrou Nelson Rodrigues...

Casa do Baralho disse...

O texto é longo, mas é interessante!


Casa do Baralho
http://casa-do-baralho.blogspot.com/

Camaleão disse...

Curto muito contos, e seu blog escolhe bem eles

Astréia disse...

Parabéns pelo blog. A história me lembrou uma série, estilo comédia, que passou na TV.

Rafa disse...

Vc tah mais pessimista que o Nelson,rs, surreal, ironixo, adoro seu blog

palavras ao vento disse...

o texto tem alma...criatividade...esta d eparabebs...a storia parece ate real...ate...

Unknown disse...

ufa!! até que enfim acabou, rss

só achei um pouco grande, mas muito bom, eu também gosto de escrever, quando estou intediado eu vou pra frente do pc e escrevo alguma coisa, mas nada como a sua história,
vá em frente...

Rafa disse...

Esse texto me deu votade de conhecer a obra dele mais afundo

http://cemiteriodaspalavrasperdidas.blogspot.com/

Hugo Henrique disse...

Peraí. É de Nelson Rodrigues ou é seu? Eu sou ator, não só já representei algumas peças de Nelson Rodrigues como o considero uns dos maiores íncones do teatro e do cenário literário em geral.

Se for seu, parabéns, conseguiu entrar na mente de Nelson Rodrigues e tomar pra si seu universo. Aguardo a resposta!

Abraço!

Fabrício Bezerra disse...

Uma bela auto reflexão,parabens

Ibere disse...

Gostei do seu estilo, cria um clima interessante e depois esse desfecho inesperado. Parabens pelo trabalho !
Ibere

Luciana disse...

Vim agradecer pela visita ao meu blog.
Adorei os seus textos! Muito bons mesmo.
Parabéns! Sucesso!

Anônimo disse...

Seus textos são ótimos e trazem consigo uma profundidade enorme em nossas mentes, quando os analisam proativamente!